Os advogados autores da providência cautelar interposta para suspender a eficácia da posse de Isabel dos Santos como Presidente do Conselho de Administração da petrolífera do regime angolano, Sonangol, vão apresentar uma reclamação ao juiz-presidente do Tribunal Supremo, porque ao fim de 100 dias ainda não tiveram resposta.
A informação foi avançada hoje à agência Lusa, em Luanda, pelo advogado e porta-voz deste grupo, David Mendes, dando conta de que a reclamação dirigida a Manuel da Costa Aragão dará entrada na segunda-feira e antecede um recurso para o Tribunal Constitucional, por “denegação de Justiça”.
“Acolhemos a sugestão de um dos colegas e vamos apresentar uma reclamação ao juiz-presidente, por não haver qualquer resposta à providência cautelar. Ao fim de oito dias, se não tivermos resposta, avançamos com o recurso para o Constitucional”, explicou o advogado, certamente imbuído do nobre, mas ingénuo, espírito de que Angola é um Estado de Direito.
Segundo David Mendes, este expediente visa, por um lado “uma última tentativa” junto do Supremo e ao mesmo tempo uma forma de “comprovar” a tentativa de deixar o processo “cair no esquecimento”, sem decisões.
“Se também não tivermos resposta à reclamação nesses oito dias, então é mais uma confirmação da denegação de Justiça neste processo”, enfatizou o advogado.
São 12 os advogados angolanos que assinam a petição que deu entrada no Tribunal Supremo, em Luanda, a 10 de Junho, colocando em causa a legalidade da decisão de nomeação (oito dias antes) da empresária pelo seu pai e chefe de Estado (nunca nominalmente eleito), José Eduardo dos Santos e pedindo a suspensão da decisão.
Isabel dos Santos tomou posse como Presidente do Conselho de Administração da Sonangol a 6 de Junho.
O advogado e porta-voz do grupo, David Mendes, afirmou a 21 de Setembro, em conferência de imprensa, em Luanda, que o prazo máximo de 45 dias para que o tribunal se pronunciasse sobre a providência cautelar foi há muito ultrapassado, o mesmo acontecendo com as participações enviadas à Procuradoria-Geral da República e Presidência da República, também sem resposta.
“A falta de decisões representa denegação da Justiça, porque coloca em causa o próprio efeito prático. Estamos perante um silêncio de solidariedade institucional, em que ninguém se pronuncia sobre este recurso e as queixas apresentadas por nós. É muita coincidência, mas não queremos que com o silêncio se esqueça este assunto”, apontou na ocasião David Mendes.
Recordou que até ao momento não há sequer um “despacho de recebimento ou de rejeição liminar” da providência cautelar, o que confira uma “ilegalidade” do Tribunal Supremo por “se recusar a pronunciar” sobre o processo: “Se os danos já se realizaram, então já não há nada a acautelar”.
Estes advogados e a associação cívica Mãos Livres já anunciaram anteriormente a intenção de avançar com uma queixa por violação da Constituição junto do Tribunal Constitucional, alegando precisamente “denegação de Justiça” do Supremo pelo “silêncio” e falta de eficácia de qualquer decisão judicial que surja agora.
Para estes juristas, a nomeação viola a Lei da Probidade Pública (sobre o exercício de funções públicas), de 2010, e envolve uma queixa no procurador-geral da República, subscrita pelos mesmos.
Alegam que, “ao ter permitido que a sua filha fosse nomeada”, o Presidente angolano terá cometido “uma improbidade pública” e que “devia ter-se abstido, como manda a lei”.
“A lei diz que o agente público não deve nomear ou permitir nomeações e contratos quando há intervenção de sua esposa, dos seus familiares em primeiro grau em linha recta e até ao segundo grau da linha colateral. A própria lei é que impõe esse impedimento”, observou David Mendes.
Probidade? Onde? Onde?
Os advogados alegam que foi violada a Lei da Probidade Pública. Mas a verdade é que só teriam razão se o reino de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, fosse uma democracia e um Estado de Direito. Como não é…
A Lei da Probidade Pública constitui, segundo seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime, mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção.
Recorde-se que a Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visa (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos.
Disseram na altura, e continuam a dizer agora, que o objectivo da lei é conferir à gestão pública uma maior transparência, respeito dos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos, universalmente aceites.
O presidente da República no poder desde 1979, do MPLA (partido no poder desde 1975) e chefe do Executivo angolano (para além de outros cargos), José Eduardo dos Santos, quando deu posse ao então novo Governo, entretanto várias vezes remodelado, reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na administração pública.
Apesar da unanimidade do Parlamento, e passado todo este tempo, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar (sentado) para ver se nos próximos dez ou 20 anos (o optimismo faz parte do nosso ADN) a “tolerância zero” sai do papel em relação aos donos dos aviários e não, como é habitual, no caso dos pilha-galinhas.
Essa lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”. É bonito. Digam lá que não parece – em teoria – um Estado de Direito?
Mas alguém acredita? Mas alguém está interessado? Acreditarão nisso os 68% (68 em cada 100) dos angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome? Ou as 45% das crianças que sofrem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Se calhar não acreditam. Têm, contudo, de estar caladinhos e nem pecar em pensamentos. Mas acredita, diz, José Eduardo dos Santos. E isso basta. Se calhar a Lei da Probidade Administrativa fará que Angola suba para aí meio lugar nos últimos lugares do “ranking” que analisa a corrupção ou deixe de ser o país lusófono com a maior taxa estimada de mortalidade de menores de cinco anos.
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do MPLA batem palmas à ordem do chefe, que em Angola a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos? Acreditarão os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população?
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos os que sabem que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Também não interessa se acreditam ou não. O importante é que o MPLA recebe os encómios dos países acocorados perante o petróleo angolano, que preferem negociar com um regime corrupto do que, eventualmente, com um que tenha uma base democrática.
Se calhar, pensam baixinhos os angolanos que usam a cabeça e não a barriga para analisar o seu país, para haver probidade seria preciso que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não fosse – como acontece à luz da Constituição – o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
Se calhar para haver probidade seria preciso que não fosse o Presidente a nomear o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos destas.
Se calhar para haver probidade seria preciso que Angola fosse uma democracia e um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.
Nota. Probidade significa: Observância rigorosa dos deveres, da justiça e da moral, honestidade e rigor na administração ou na função pública.
Folha 8 com Lusa